ah... posso chamar de 'liberdade poética' continuar usando o português que eu aprendi na escola? tenho apego com alguns hífens e acentos. :)

segunda-feira, 26 de outubro de 2009

rapunzel

Na escadaria do York Minster, as três falando sem parar, muita conversa pra botar em dia e uma frestinha de sol imperdível ali.
Ela se aproxima dizendo que o vento jogava umas palavras pr'aquele lado e deu pra identificar o nosso português. Queria que tirássemos uma foto.
Viajava sozinha pelo Reino Unido, tinha o roteiro todinho preparado em conjunto com o atual marido, que morreria de ciúmes caso ela ficasse em Londres, onde ela levou o filho do casamento anterior pra visitar o pai. Engraçado gente que fala 'bagarái'!
Sabia que em York ficava a menor rua do mundo: Whip-ma whoop-ma-gate (!) Essas coisas de turista planejado.
Fez poses malucas pras fotos enquanto contava a vida toda, balançava as tranças loiras meio rapunzélicas e soltava gargalhadas. Uma figura!
Num dado momento, para explicar algo sobre o peso da mochila, contou que há 2 ou 3 anos teve tetraplegia. Eu preferia que o nome não fosse tão auto-explicativo, porque 'como assim existe uma coisa dessas'? Como assim a pessoa fica tetraplégica sem sofrer acidente?
No caso dela, simplesmente chegou em casa, sentiu muito, muito sono, deitou no chão e não se mexia mais. O marido e os filhos de 1 e 5 anos a encontraram ali, no meio da sala.
Se me lembro bem, ficou cerca de 6 meses tetraplégica, passou por cirurgias experimentais onde se opera as vértebras pela frente ( !!! ) e teve que reaprender os movimentos.
Como se não bastasse, encasquetou que voltaria a andar para fazer o caminho de Santiago. Os médicos achavam muito improvável, mas a doida tem feito o caminho todos os anos desde então.
Contou que era workaholic antes disso tudo e acabou revendo as prioridades na vida.
É natural, né? rever...
Eu mesma revi a minha vida toda ali, embasbacada, enquanto ela falava.
Mas e mudar mesmo? e fazer tudo diferente do que vc sempre fez? e cuidar da sua vida como a prioridade que ela de fato é?
A gente vai levando, a gente aguenta, a gente não quer ser taxado de molenga, né?

A Rapunzel lá do Minster teve que mudar ( tá bom que ela pôde mudar, a condição financeira facilita bastante, mas não é tudo. Precisa de vontade mesmo assim)
Eu não sei como ela era antes, mas ela fala dessa tragédia toda sem nenhum ressentimento, sem nenhum "por que eu?!"
Ela vai que vai, com jeito de menina, de tênis e mochila leve, protegendo sua coluninha 'remendada' pela UK ;)
E eu pensei no dia que minha coluna travou na Av Angélica, no tanto de coisa que me estressa e não devia, no peso que eu carrego sem precisar.
Pensei que ela foi embora sem sabermos seu nome ou tirarmos uma foto e - porque eu sou assim clichezística - não queria nunca esquecer de como eu me senti ao ouvir a historia dela. Uma mistura de gratidão e medo de não apreciar o suficiente o quanto a vida é Bôôôua..

2 comentários:

  1. que jeito fofo de contar essa história. que bom relembrar essa pessoa e a nossa viagem. lovely. S2

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  2. voces duas sonharam. isso nao pode ser verdade. ninguem tem suas vertebras operadas pela frente. ninguem cai no chao tetraplegica out of nothing. ninguem reve a vida. ninguem nao trabalha ate a morte. ninguem esquece de tirar foto de alguem que conta uma historia dessas. so se for sonho...

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